quarta-feira, 27 de abril de 2011

Os filhos de ninguém: abandono de crianças no Brasil


No Brasil existem milhares de crianças que vivem em instituições e recém-nascidos são abandonados em lugares públicos. Como um país pode suportar isso? Em 13 de julho de 1990, o Brasil promulgou a Lei 8.069 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), um dos primeiros países do mundo a estabelecer uma lei própria para a criança e o adolescente, a qual é considerada uma das mais avançadas em todo o mundo. Passados quase 20 anos, ainda existe uma longa estrada, repleta de muitos obstáculos, para que a justiça ultrapasse o papel e chegue à vida real. No Brasil, permite-se a negligência e o abandono de crianças. Por quê “a criança”, tão amada e festejada em versos e prosa ainda é relegada ao segundo plano? De um lado, existem milhares de crianças vivendo em instituições, sem ter noção do que é uma “mãe” ou um “pai” e, do outro, existem centenas de pessoas desejando adotar uma criança. Por quê esses dois contingentes não se encontram? Por quê os estrangeiros acabam adotando crianças mais velhas, ou de cor ou com necessidades especiais? Qual é o papel do psicólogo para conseguir reunir o desejo das crianças de ter uma família, o desejo dos adotantes de ter um filho ideal e dos serviços de adoção que desejam selecionar adotantes ideais? Nos dias atuais não existem mais as “Rodas dos Expostos”, mas ainda há muitas instituições de internamento de crianças, um modelo eufemista da Roda, na contramão do que reza o ECA: “Toda criança tem o direito à convivência familiar e comunitária”. Há ainda, um longo caminho a percorrer em todas as áreas que concernem ao desenvolvimento social da população deste país. Mas, apesar da institucionalização de crianças ter surgido como uma tentativa de solucionar o problema de crianças e adolescentes abandonados, esta tentativa mostra-se extremamente ineficaz no Brasil porque não ataca as verdadeiras causas do problema (a miséria social, a carência de apoio sócio-educativo, a ausência de prevenção em relação à violência doméstica, entre outros); não possibilita qualquer tipo de reabilitação para as famílias de origem e exclui as crianças de uma convivência familiar (em sua família de origem ou família substitua) e comunitária. Somente em 5% dos casos os pais entregaram voluntariamente a criança para que a Instituição a abrigasse ou abriram mão do seu Pátrio Poder para que ela pudesse ser adotada. Todos os outros casos foram frutos de denúncias frente a uma situação irregular em relação ao cuidado com as crianças. O motivo mais freqüente para o internamento foi classificado como maus-tratos em função de negligência (deixar a criança sozinha em casa; deixar a crianças com estranhos; não cuidar da alimentação e/ou saúde da criança etc.). Da condição de “carentes”, estas crianças passam a ser abandonadas, pela ausência de uma relação de continuidade com a família e pela sua prolongada permanência nos internatos. Além da exclusão social, existem evidências de que não há qualquer tipo de trabalho social sendo realizado com as famílias das crianças. A simples passagem do tempo não parece suficiente para que uma família modifique sua forma de ser. Repertórios comportamentais graves como alcoolismo, violência familiar, negligência, entre outros, não recebem qualquer tipo de assistência do Estado ou da sociedade civil. O discurso das crianças é doloroso: reflete ambivalência e desamparo ao último grau, como mostra claramente o trecho da carta de um menino que morava em instituições havia 12 anos:
“Mamãe, você me abandonou. Mas eu sinto muito porque você fez isso comigo. Já faz onze anos que eu não te vejo, mas eu já estou com muita saudade. Você foi muito cruel comigo. Mas hoje já tenho doze anos e estou convivendo com a minha tia, e ela me ama como eu fosse seu filho legítimo. Como, eu estou com saudades de você, não sei aonde você está. Um beijo de seu filho que não te ama, João”.

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